Fazendo uma IPA tropical: da receita à análise sensorial.

Segue a gente: Inglorious Brewers.


Esse é o post de abertura do blog. Vai ser uma série grande pra caramba porque iremos desossar esse tema do início ao fim.

Nossa meta é fazer uma fodendo IPA cítrica, mas sendo espertinho você verá que pode aplicar essa discussão à qualquer estilo.

Como diria Jack o estripador; vamos por partes… ao longo dessa bravata cervejeira, abordaremos os tópicos:

1 – Mirando no que queremos e escolhendo os ingredientes – Discutiremos como devemos dar os passos iniciais para podermos escolher os ingredientes corretos da nossa cerveja a partir de características básicas que estamos buscando.

2 – Montando a receita e fazendo a cerveja – Depois de escolher os ingredientes, escolheremos a quantidade que a ser usada de cada um deles e como serão administrados na fabricação. Aí vamos botar tudo na panela e cozinhar! Vai ser tudo tão bem detalhado que será a prova de idiotas. (clique aqui pra ler a parte 2)

3 – Degustando e aparando as arestas – É claro que acabaremos com um teste sensorial pra saber se ela tá do jeitinho que queríamos (duvido) ou se vamos ter que refinar as arestas (certeza).

O conteúdo será postado a medida que formos fazendo, praticamente vocês terão acesso em tempo real de todo o desenrolar da bagaça. Se quiserem fazer ao mesmo tempo que a gente e dar opiniões, fiquem a vontade, pois vamos curtir pra cacete!

Pois bem, fiquem avisados que essa cervejaria é tocada quase que completamente por cientistas, então se prepare para muitas referências a livros e artigos. Vamos parar de enrolar e ir direto ao ponto:


1 – Mirando no que queremos e escolhendo os ingredientes.



O que que a gente quer? …. Sangue e destruição?!


Sempre! Mas também queremos uma IPA cítrica/tropical foda pra ganhar medalha internacional e se pá até intergalática. Portanto estamos buscando uma cerveja bem aromática, com um sabor de malte pouco pronunciado, dando apenas um acabamento, e uma combinação de lúpulos perfeitamente ajustada para um sabor bem marcante. Já para a cor, queremos um pouco mais e escura que o tradicional justamente para ser uma assinatura visual da cerveja. Tudo precisa se encaixar perfeitamente.



Tá… e por onde começamos?


Começamos sempre pelo mais simples, que é escolher os sabores e aromas que nossa IPA terá. Nesse caso queremos sabores cítricos, com notas de maracujá e frutas amarelas, além de um sutil sabor de chocolate. Essas características já nos direcionam na escolha do malte, do lúpulo e até do fermento.¹


Por que nos direcionam na escolha do malte, lúpulo e do fermento?


Porque esses 3 caras podem dar sabores diferentes a sua cerveja. Ainda, o fermento pode ajudar a realçar alguns sabores do lúpulo ou ficar na dele sem interferir.

Por exemplo:

O malte pode dar sabores mais adocicados e torrados, então, somente da utilização do malte correto, você pode obter qualquer um desses sabores:

Pão, chocolate, caramelo, biscoito, rapadura, cereais em geral, aveia, café, toffee, torrado, queimado, defumado, nozes, amêndoas e até feno e palha.

Se você sentir um desses sabores, saiba que são do malte. Além disso, esses caras vão dar a cor da sua cerveja, logo você irá controlar a cor usando o malte. É aqui que buscaremos o chocolate da nossa IPA.

Já o lúpulo vai dar toda a variedade de sabores picantes, frutados, herbais, cítricos e terrosos que sua cerveja pode ter, além do amargor, é claro.

Por sua vez, o fermento pode realçar algumas características cítricas do lúpulo, ou ainda dar uns esteres frutados legais pra caramba, como frutas amarelas/vermelhas, banana e cravo. Já outros fermentos são bem limpos e não alteram significativamente os sabores do malte e lúpulo.

Esses parágrafos acima já direcionaram tudo para fazer a nossa receita, desde a escolha dos insumos até as técnicas de produção e envase que vamos utilizar. Porém, sem ansiedade, vamos passo por passo.

Beleza, agora é hora de organizar a nossa busca pelos ingredientes básicos:

Malte: vai ter que ter algum chocolate.

Lúpulo: vamos procurar pelos cítricos que puxem para maracujá.

Fermento: Ou vai ser limpo, ou vai ser algum que realce os cítricos/frutas amarelas.

Antes de irmos para a escolha dos insumos, vamos assegurar alguns parâmetros básicos[1] que definem o estilo IPA (no caso, uma Americam IPA):

OG: 1,064 - 1,067 SG
IBU: 55 – 69
ABV: 5,7% – 7%
EBC: 14 – 28

Obtendo qualquer valor nesse range você fará uma Americam IPA corretamente.




1.1 – Escolhendo o malte (grão).

Primeiro de tudo, o malte vai nos fornecer: corpo, dulçor e os açúcares fermentáveis que a levedura vai transformar em álcool e dióxido de carbono. Aqui vamos usar apenas cevada maltada, mas algumas ótimas IPAs nacionais usam também aveia, como o caso da Hocus Pocus Overdrive, ou mesmo trigo.

Você precisa ter em mente que na IPA não é legal ter um malte pronunciado demais [1], ele tem que fazer o acabamento, tem que se encaixar no lúpulo sem roubar a cena. Então dê preferência para uma base de malte de sabores leve, como :

- Pale Ale
- New Burton white malt
- Warminster extra pale malt
- Low-color Maris Otter malt
- Biscuit Malt. (<15%)
- Munich.
- Caramel 20ºL, 40ºL
- German Pilsner malt
- English pale malt
- Crystal (< 15%)
- Maltes torrados (aprox. 1%)

Claramente que a lista de malte é grande pra caramba e você pode e deve testar vários, mande o BJCP para o inferno quando estiver testando suas cervejas, mas siga uma regra simples: escolha uma base de malte de cevada 2-row [1, 7, 10].

O malte não pode deixar sua IPA muito escura, ele não pode ter açúcares não fermentáveis demais e também não pode sofrer variação de sabor muito grande com a oxidação. O caso do malte Crystal é justamente esse, você deve usar sempre a quantidade mínima possível, nunca passando de 15% [1, 3, 7] (eu não usaria mais de 5%), pois esse malte pode zoar sua IPA quando oxidar, dando um sabor de frutas secas que cobrirá o lúpulo, sem contar que vai deixar sua cerveja mais doce do que deveria… portanto evite usar muito.

Para essa receita eu escolhi os maltes:

- Malte Pale Ale (2 row) US:

Esse será nosso malte base.

- Malte Munich 20L
- Malte Vienna

Esses serão para adicionar uma complexidade ao malte.

- Malte chocolate (EBC mais baixo que encontrar)

Vai dar nosso sutil sabor de chocolate e deixar a cor um pouco mais escura em conjunto com o Munich e Vienna. Você pode adicionar sabor de chocolate usando sementes de cacau, assim como é possível usar extrato de maracujá… mas a gente quer só malte, lúpulo, fermento e água!²

Escolhidos os maltes vamos para o lúpulos.





1.2 – Escolhendo os lúpulos


O lúpulo é a estrela principal de uma IPA, aqui moram Deus e o Diabo desse estilo. É ele quem vai dar amargor, sabor e aroma cítrico da cerveja, além de ser o responsável pela retenção e estabilidade da espuma.

Sem dúvida alguma você pode fazer uma IPA do cara%*& usando apenas um lúpulo (single hop), como é o caso da linha “Lovers” da Dogma, mas aqui queremos usar uma variedade maior, pois a ideia é acrescentar complexidade de sabores e aromas.

Você já deve ter notado que existe mais lúpulo na Terra do que estrelas no céu e é mais fácil estabelecer regras para uma briga de foice no escuro do que para a utilização deles. A fim de facilitar, fiz uma lista de lúpulos que me interessam usar nessa receita, assim afunilando as opções e facilitando a escolha.

Escolher o lúpulo demanda conhecimento, você precisa ter familiaridade com o sabor de cada um deles, então aconselho você a fazer uma IPA single hop dos principais lúpulos que deseja usar. Só assim você saberá exatamente como dosá-los e quais combinam bem.

Segue a minha lista preliminar [8]:

Base: Esses lúpulos são tradicionais das IPAs, não são necessariamente cítricos, mas podem combinar bem com estes.


1 - Chinook: 

Popular para IPA e APA.
Amargor e Aroma: picante, grapefruit, pinha, aroma de Terra.
Alfa ácidos: 12% a 14%.
Pode ser substituído por lúpulos menos amargos: Northern Brewer, Columbus ou Nugget.

2 - CTZ:

Amargor moderado.
Aroma e sabor: pungente, picante e licorizado,
Alfa ácidos de 14% a 18%.
Usar principalmente em dry hop para obter máximo aroma.

3 - Apollo:

Amargor.
Bom para Imperial IPA.
Aroma e Sabor: Terroso e cítrico.
Alfa ácidos: 15% a 19%.
É lúpulo para se aumentar bem o IBU sem gastar muito.

4 - Bravo:

Amargor
Muito usado em westcoast IPA
Aroma e sabor: picante, floral e terroso.
Alfa ácidos: 14% a 17%.
Os sabores contrastam com o amargor e dão um acabamento suave a cerveja.

5 - Calypso:

Amargor e aroma.
Sabor e aroma: Mais comum de maçã, pera e citrino, menos comum de melão, frutas tropicais, pimenta, flor de cerejeira e hortelã.
Alfa ácido: 12% a 14%.

6 - El Dorado:

Amargor e aroma
Aroma: fortemente frutado, com notas de cereja, pêssego, manga e trigo.
Alfa ácido: 14% a 16%.

7 - Mosaic:

Lúpulo de aroma, um dos mais vendidos.
Aromas: terra, pinho, frutas de baga até manga.
Alfa ácidos: 11.5% a 13.5%.
Podemos ser substituídos por seus pais: Nugget e Sincoe.

8 - Sorachi Ace:

Amargor e aroma
Trabalha bem com Simcoe e Citra.
Aroma: limão, citrino, endro e coentro.
Alfa ácidos de 10% a 16%.
Provavelmente esse Lúpulo seja melhor direcionado a cervejas japonesas.


Adicionais: Esses serão a estrela principal:

1 - Simcoe:

Amargor e aroma.
Aroma: leve e rico em pinha e cítricos terrosos
Alfa ácidos: 10% a 14%.

2 - Cascade: 

Aroma.
Aroma frutado cítrico com notas picantes.
Alfa ácidos de 4,5% a 7%.

3 - Citra:

Amargor e aroma.
Sabor e aroma pungente: Laranja, grapefruit, limão e outros sabores de frutas tropicais.
Alfa ácidos de 11% a 13%.
Combina bem com Mosaic e Simcoe.

4 - Amarillo:

Amargor e aroma
Sabor e aroma: exuberantes e equilibrados de citrinos, florais e alaranjados.
Alfa ácidos: 8% a 11%.
Adiciona sabor fresco.

5 - Centennial:

Aroma e amargor: equilibrado
Aroma e sabor: frutado cítrico pesado quando adicionado a fervura.
Alfa ácidos de 9,5 % a 11,5%.

6 - Galaxy:

Muito aromático.
Sabor e aroma: cítricos como MARACUJÁ,
Alfa ácidos de 13% a 15%.
Fazer adição tardia e/ou dry hop.

7 - Rakau:

Aroma e amargor.
Aroma e Sabor: frutas de pomar, pinho e damasco.
Alfa ácidos de 10% a 12%.

8 - Nelson Sauvin:

Amargor e Aroma.
Aroma frutado: groselha, grapefruit, cítricos em geral.
Alfa ácidos: 12% a 13%.
Amargor equilibrado pelo intenso frutado.



Eu sei que uma combinação muito boa de lúpulos para obter frutas amarelas puxando para o maracujá é Simcoe, Centennial, Amarillo, Citra, Cascade e Galaxy. Pois o Centennial é conhecido como super Cascade, vamos tentar utilizar os dois para realçar ainda mais características que possuem. O Citra carrega sabor de maracujá que, junto ao Galaxy, vai pronunciar esse sabor ainda mais. O Sincoe possui uma grande complexidade de sabores e aromas de frutas cítricas diversas. O Amarillo, por sua vez, é bem cítrico e excelente para os famosos “hop bombs”.

Você pode escolher algum lúpulo com bastante alfa-ácidos para bater sua meta de IBU sem encarecer demais sua receita, no caso, iremos usar Apollo se necessário.

Então nossa lista está completa e bem justificada! Ela ficou assim:

- Apollo (Se necessário.)
- Galaxy
- Simcoe
- Amarillo
- Cascade
- Centennial

Iremos saber se será necessário o Apollo quando o cálculo do IBU esperado for feito. (próximo post).



Se você está com dificuldade de encontrar os lúpulos, entre em contato diretamente com o Thiago Palmeira da Eureka Insumos que ele vai te fazer um preço fodástico mesmo para quantidades abaixo de 20 Kg (compra com CNPJ, caso não tenha, utilize o e-commerce).


http://eurekainsumoscervejeiros.com/



1.3 – Escolhendo o fermento.


O fermento precisa ser escolhido corretamente, pois é essa maravilha microbiótica quem vai fazer sua cerveja…. E ele pode fazer a melhor cerveja da sua vida ou transformar toda sua grana em lixo, portanto cuidado.

O fermento vai definir o teor alcoólico, pode deixar o sabor mais limpo ou acrescentar alguns temperos, pode deixar o final mais ou menos seco e etc. Antes de fazermos a escolha  vamos entender algumas coisas simples [1, 9]:


O que é atenuação?

Atenuação é a capacidade do seu fermento em diminuir a gravidade final (FG). Assim atenuação alta significa que seu fermento vai diminuir bastante a FG da sua cerveja, portanto haverá um grande consumo de açúcares fermentáveis deixando a cerveja mais seca. Se você precisa baixar bem sua gravidade final e quer final seco, escolha uma levedura de atenuação alta, caso contrário você pode usar os de média e baixa atenuação.

O que é floculação ?

A floculação é a capacidade da sua levedura de se aglutinar e então sedimentar. Quanto mais alta a floculação mais rápido ela sedimenta e menos tempo fica em contato com sua cerveja, interferindo também na atenuação.

No nosso caso, iremos escolher uma floculação média, pois o maior tempo de suspensão da levedura ajuda a consumir mais diacetil, que é um subproduto da fermentação que dá um sabor amanteigado que não tem nada a ver com a IPA (mas tem com Pilsen).

O que é tolerância ao álcool?

Nesse momento, tal tópico é desnecessário, mas é sempre bom comentar. Existem leveduras que não toleram bem grandes quantidades de álcool, pois elas ficam “bêbadas” logo e entram em coma alcoólico, chamado de estupor, nesse momento sua produção de álcool pára. Se você precisa de um ABV com mais de 10%, use leveduras com alta tolerância.


Dicas para a escolha do fermento: no nosso caso, uma levedura com floculação média, tolerância média a álcool e alta/média atenuação vai funcionar muito bem. Nos casos de IPA tradicionais é legal escolher uma levedura que não agregue ao sabor e aroma, porém queremos uma tropical/cítrica, então podemos meter bronca numa levedura que contribua nesses sabores e aromas.


Separei aqui algumas leveduras que você pode usar [7]:

Tradicionais:


1 - Wyeast 1056:

Floculação: baixa/média
Atenuação: 73-77%
Temperatura de fermentação: 15-22°C
Sabor: muito limpo e nítido com pouca produção de frutados e produção de ésteres. Usada em estilos que desejam características dominantes de malte e lúpulo. As notas de citros leves desenvolvem-se com fermentações mais frias 15-19ºC. Normalmente requer filtragem para cervejas mais claras.

2 - White Labs WLP001:

Floculação: Média
Atenuação: 73-80%
Temperatura de fermentação: 20-23 ° C
Sabor: limpo, equilibrado. Acentua os sabores do lúpulo e é extremamente versátil.

3 - Safale US-05 (Punk IPA):

Floculação: Média
Atenuação: 77-81%
Temperatura de fermentação: 12-25 °C
Sabor: produz cervejas bem equilibradas com diacetil baixo e paladar final muito limpo. Forma uma espuma firme e apresenta uma capacidade muito boa para permanecer em suspensão durante a fermentação.


Na moda:


1 - GY054 Vermont IPA:

Atenuação Gravidade média: 78% - 82%.
Atenuação alta Gravidade: 74% - 76%.
Temperatura de fermentação: 17 °C - 24 °C.
Floculação: média/baixa
Descrição: Um dos melhores para westcoast IPA. Deixa uma cerveja com mais corpo e um ligeiro aroma frutado que combina muito bem com o lúpulo aromático. Boa escolha para cervejas de alta gravidade e lúpuladas. Ampla faixa de temperatura e floculação moderada.

2 - Vermont Ale (Conan):

Atenuação gravidade média: 78% - 82%
Atenuação alta gravidade: 74% - 76%
Faixa de temperatura: 17 °C - 24 °C
Floculação: média/baixa
Descrição: Principalmente limpa, mas com um caráter cítrico/damasco. Uma alternativa mais saborosa à Chico (WLP001 / WY1056). Bastante usado em American IPA.

3 - WLP095 Burlington Ale: 

Atenuação: 73 - 78%
Floculação: Média
Temperatura de fermentação: 19 - 21 ° C
Tolerância ao álcool: Médio/alto ( 8 - 12%)
Este fermento fornece um pouco de personalidade e corpo na cerveja. Os ésteres são superiores ao da WLP001. Resulta em mais diacetil, portanto é necessário aumentar a temperatura no final da fermentação.

4 - ECY10 Old Newark Ale:

Floculação: alta
Atenuação: baixa
Temperatura de fermentação: 15 - 20 °C
Sabor: Possui características neutras semelhante ao WLP001, mas com menor atenuação, menor acentuação do amargor do lúpulo, floculação reduzida e um pouco de acidez.


Inglesas:


1 - Wyeast 1098:

Floculação: Média
Atenuação: 73 - 75%
Temperatura: 18-22 °C
Sabor: permite que o malte e o lúpulo dominem o perfil de sabor da IPA. Produz cerveja bem balanceada com um acabamento limpo e neutro. Fermenta bem até 19°C.


2 - Wyeast British Ale II 1335:

Floculação: alta
Atenuação: 73 - 75%
Temperatura de fermentação: 17 - 24 °C
Sabor: um perfil britânico clássico de ale com boa floculação e características de sabor de malte. Final limpo e bastante seco.


3 - East Coast Yeast North East Ale ECY29 (linha Conan)

Floculação: alta
Atenuação: alta
Temperatura de fermentação: 18 - 21 ° C
Sabor: Abundância de ésteres cítricos que acentuam o estilo American na IPA.


Você pode escolher a que mais te agradar. A US-05 é uma escolha sem erro, a Conan também é muito famosa, porém queremos tentar a Wyeast 1098, já que leveduras inglesas se dão muito bem em IPA mais cítricas [7].

Provavelmente acabaremos por usar um equivalente ao Wyeast 1098, já que é muito foda de achar esse fermento aqui no BR e tô realmente sem paciência para importação. No caso o substituto seria New World Strog Ale - Mangrove Jacks M42.


1.4 – Ajustando sua água.


Tá, muita gente usa água da torneira pra fazer cerveja, quando no máximo compram água mineral, mas não se dão ao trabalho de ler a analise físico-química da mesma… Não sejam preguiçosos, garantir um perfil químico adequado para o estilo de cerveja que você está fazendo é importante pra caramba pra simplesmente passar por cima por preguiça.

Primeiro de tudo você precisa saber como cada um desses sais e minerais contribuem para a sua cerveja;

O passo inicial é: garanta um Ph entre 5.4 e 5.6, se for maior que isso sua cerveja pode ficar adstringente. Para facilitar, compre água mineral nessa faixa de ph e controle o ph na mosturação, o normal é o ph abaixar, portanto certifique-se de quele estará entre 5.1 e 5.4 durante o processo. [1, 10, 11]

Agora vamos para os componentes químicos [1, 10];

- Cálcio (Ca): Vai ajudar a sua cerveja a ficar mais clara e diminui a possibilidade de sabor adstringente. Junto ao Sulfato vai ajudar a realçar o amargor do lúpulo, estabilizar as enzimas do malte e aumentar a atividade enzimática. Ele não vai contribuir diretamente no sabor. O ideal é mantermos entre 50 e 200 mg/L. Nossa escolha ficará em 110 mg/L.

- Magnésio (Mg): Atua como nutriente para leveduras, porém o malte de cevada já contém mais nutrientes do que a levedura pode consumir. Seu excesso pode zoar o sabor da cerveja, dando o amargor ou azedo chato pra caramba. Não há estudo científico que suportem isso exatamente, mas os cervejeiros afirmam que manter o Mg mais baixo possível pode dar um sabor melhor. O recomendado pelo The EBC Manual of Good Practice, é que se deve manter abaixo de 40mg/L. Vamos usar 18 mg/L apenas porque nossa água já vem com essa quantidade.

- Sódio (Na): É uma praga difícil de corrigir. Em pequenas quantidades ele vai realçar os sabores adocicados do malte e dá sensação de corpo na cerveja, atuando junto com o Sulfato. Se a concentração for grande (maior que 150mg/L) ele vai se ligar com Cl e formar o sal de cozinha, deixando sua cerveja salgada. Como vamos usar bastante sulfato, temos que garantir que o Na fique baixo, pois ele agrega um sabor bem chato quando interage com Sulfato. Uma boa quantidade de Na é entre 10 e 20 mg/L.

Não se esqueça que seu malte já fornecerá grande quantidade de Na, portanto nunca exceda 100mg/L, principalmente se estiver fazendo lager, que são mais sensíveis a esse mineral.

- Zinco (Zn): Em pequenas quantidades é ótimo, pois é nutriente vital da levedura, porém em quantidades maiores que o necessário pode dar um desagradável sabor adstringente a sua cerveja. É recomendado algo em 0.1 e 0.5mg/L, acima disso você poderá ter off-flavors. Vamos tentar assegura algo entre 0.15 e 0.2mg/L.

- Cloreto (Cl): Essa bagaça tem uma atuação não tão simples na cerveja. A grosso modo o Cl deixa sua cerveja adocicada por realçar o malte, porém não é uma via tão direta assim. O que temos que considerar não é o Cl sozinho, mas sim a razão Sulfato/Cloreto, vamos falar dela logo após falar do Sulfato. Escolheremos 50mg/L de Cl por causa do nosso valor de Sulfato.

- Sulfato: O sulfato é quem vai deixar o paladar mais seco e realçar o lúpulo. No geral o indicado para cervejas mais amargas é algo entre 100 e 250mg/L. Nós vamos usar 350 mg/L de Sulfato, mas como você verá logo abaixo, o mais importante é a razão Sulfato/Cloreto.

Razão Sulfato/Cloreto:

É ela quem vai determinar se será seu malte ou seu amargor do lúpulo quem irá sobressair. Para tanto pegue a quantidade de Sulfato da sua água e divida pela quantidade de Cloreto, compare o valor que você obterá com a tabela abaixo [10]:


0 até 0.4: Maltada pra caral*&%.
0.4 até 0.6: Muito Maltada.
0.6 até 0.8: Maltada.
0.8 até 1.5: Balanceada.
1.5 até 2.0: Levemente amarga.
2 até 4: Amarga.
4 até 9: Muito amarga.
>9: Amarga pra caral*&%.

Como queremos uma cerveja que garanta um alto amargor, porque é uma fodendo IPA,  miraremos entre 4 e 9… 7 estará lindo!

Vamos as contas:

350mg/L de Sulfato dividido por 50mg/L de Cloreto: 350/50 = 7

Rá! Certinho onde queríamos! Nossa relação está perfeita para assegurar o amargor desejado. Uma informação extra interessante é que da prática se percebe que Cloreto só passa a afetar o sabor em quantidade superior a 50mg/L indo até 200mg/L, enquanto que o Sulfato vai de 50 até 500mg/L.

O perfil químico da água que queremos é esse:

- Ca: 110 mg/L,
- Mg: 18 mg/L,
- Na: 17 mg/L,
- Zn: 0,15 mg/L,
- Sulfato: 350 mg/L,
- Cloreto: 50 mg/L.
- Ph: 5.4


Claramente que você pode usar uma água diferente da nossa, é só seguir as dicas acima.


1.5 – Finalizando.

É isso, hoje definimos quais serão os ingredientes dessa IPA tropical demoníaca que estamos pretendendo fazer.

Recapitulando:

Maltes:

- Pale Ale
- Munich 20L
- Vienna
- Chocolate

Lúpulos:

- Apollo (se necessário)
- Galaxy
- Simcoe
- Amarillo
- Centennial
- Cascade
- Citra

Lembrando que você pode fazer single hop ou combinações mais simples. Aconselho por exemplo; Mosaic e Simcoe, Simcoe e citra, Mosaic e Cascade, Mosaic com Chinook e Simcoe, Mosaic e Amarillo... e assim vai.

A maior dica todas aqui, que discutiremos melhor no próximo post, é: coloque lúpulo pra cara*&% na sua IPA! Algo por volta de 20g/L… isso mesmo 400g de lúpulo para uma receita de 20 litros.

Quem quiser fazer a receita junto com a gente é só avisar que podemos montar um grupo para ir discutindo.


Notas:

1 - Ok, essa IPA não possui sabores audaciosos, a proposta é relativamente simples, mas lembre-se: o diabo está nos detalhes(!).
2 - A BadenBaden usa estrato concentrado de maracujá na sua IPA.
3 -  A compra com o Thiago deve ser feita com CNPJ, sem CNPJ use o e-commerce do site.
4 - Se  por motivos pessoais você prefere usar um fermento de alta floculação, não tem problema, pois existem outras formas de garantir o nível baixo de diacetil e discutiremos isso depois.
5 -  É claro que sua levedura não entra em coma alcoólico, foi apenas uma brincadeira.
6 - Você pode usar uma tabela de equivalência caso não encontre nenhuma da lista.  Tabela.pdf
7 - Parece exagero, e é mesmo, porém é com quantidades por volta de 20g/L que as melhores IPAs são feitas.

Referências:


[1] - Steele M. IPA: Brewing Techniques, Recipes and the Evolution of India Pale Ale. Brewers Publications (2012).

[2] - Kunze W. Technology brewing and malting. VLB Berlin (2004).

[3] - Bamforth, Charles W. Brewing materials and processes: a practical approach to beer excellence. Academic Press (2016)

[4] - Eßlinger, H.M. Handbook of Brewing: Processes, Technology, Markets. Wiley VCH. (2009)


[5] - Fergus G. Priest, Graham G. Stewart. Handbook of Brewing, Second Edition (Food Science and Technology 157). CRC Taylor & Francis. (2006)


[6] -  Dennis E. Briggs, Chris A. Boulton, Peter A. Brookes, Roger Stevens. Brewing Science and Practice. Woodhead Publishing in Food Science and Technology. CRC Press. (2004).

[7] - Mallett j. Malt: a Practical Guide from Field to Brewhouse. Brewers Publications. (2014).

[8] - Hieronymus, S. For the love of hops: the practical guide to aroma, bitterness, and the culture of hops. Brewers Publications. (2012).


[9] - Zainasheff J., White C. Yeast: the practical guide to beer fermentation. Brewers Publications. (2010).


[10] -Palmer J, Kaminski C. Water: A Comprehensive Guide for Brewers. Brewers Publications. (2013).

[11] - Fachverlag, H. C. Manuals of Good Practice - EBC Brewers. (2000)
 

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4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Parabéns, ótimas informações!! Caso façam um grupo me coloca a disposição para ser membro ouvinte. Mais uma vez parabéns conteúdo de qualidade!

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  3. Legal encontrar esse blog, eu leio seus posts no fórum, já era hora de lançar um blog, parabéns!

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